Você vai ler, a seguir, dois textos: o primeiro é um poema de Viriato da Cruz, poeta angolano. O segundo é de José Craveirinha, poeta moçambicano.
Texto 1 - Namoro
Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com a letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas.
Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seu seios laranjas-laranjas do Loge
seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe uma carta
e ela disse que não.
Mandei-lhe um cartão
que o Maninho tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - Sim, noutro canto - Não
E ela o canto do Não dobrou.
Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigênia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.
Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.
[...]
Andei barbado, sujo e descalço,
como um mona-ngamba
Procuraram por mim
" - Não viu... (ai, não viu...?) Não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.
Para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do
[Bairro Operário]
Tocaram uma rumba - dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí, Benjamim!"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.
Texto 2 - Quero ser tambor
Tambor está velho de gritar
Ó velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.
Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
Nem nada!
Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
Ó velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Ó velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!
1. No poema "Namoro", o eu lírico, identificado no texto como Benjamim, se apaixona por uma moça e tenta se aproximar dela.
a. Até a quarta estrofe, de que meios ele se vale para tocar o coração da moça?
Resposta: Ele manda uma carta, depois um cartão, depois um recado e depois faz um feitiço com uma curandeira.
b. Desses meios, quais são escritos?
Resposta: A carta e o cartão.
c. De que tipo são os outros meios?
Resposta: O recado é oral, e o feitiço é religioso.
2. Compare o tamanho e o conteúdo das quatro primeiras estrofes do poema "Namoro".
a. Qual delas é maior? O que justifica o tamanho dessa estrofe?
Resposta: A primeira estrofe é maior porque ela reproduz todos os elogios que ele fez a ela. Além disso, a carta normalmente é um gênero de tamanho maior do que o cartão.
b. A mulher amada se sensibiliza com elogios, chantagens ou fervor religioso?
Resposta: Não.
3. Desprezado, Benjamim fica "barbudo, sujo e descalço", se isola e se marginaliza.
a. O que muda a sorte de Benjamim e lhe permite conquistar o coração da mulher amada?
Resposta: O baile, onde a encontra e dança com ela.
b. Qual é o "argumento" que finalmente a convence?
Resposta: O "argumento" é a proximidade entre eles e sua qualidade de bailarino, pois dança muito bem a rumba.
4. O poema apresenta uma forte musicalidade, determinada pelas rimas e, principalmente, pelo ritmo. Que relação tem a musicalidade do poema com o seu conteúdo?
Resposta: A musicalidade do texto reforça o seu conteúdo, em que a música também tem um papel de destaque.
5. O poema "Quero ser tambor", de Craveirinha, integra a obra Karingana ua Karingana, publicada em 1974, quando Moçambique ainda era uma colônia portuguesa. No poema, o eu lírico opõe o que quer ser ao que não quer ser.
a. O que ele quer ser?
Resposta: Quer ser um tambor.
b. O que ele não quer ser?
Resposta: Ele não quer ser flor nascida no mato nem rio correndo para o mar nem zagaia nem poesia.
6. Moçambique conquistou sua independência política em 1975. Antes disso, Portugal considerava Moçambique como parte de seu território, e a língua e a cultura portuguesas eram impostas como meio de dominação política.
a. O que representa o tambor para a cultura africana e moçambicana, em particular?
Resposta: Representa a identidade moçambicana ou a própria colônia, Moçambique.
b. As coisas que o eu lírico não quer ser - flor, rio, zagaia, poesia - são todas provenientes do desespero. Levante hipóteses: Nesse contexto, a que se refere a expressão do desespero?
Resposta: A expressão do desespero refere-se à situação de opressão política e cultural na qual viviam os moçambicanos.
c. O desejo de ser um tambor revela, por parte do eu lírico, uma dimensão pessoal ou coletiva? Justifique com elementos do texto.
Resposta: Uma dimensão coletiva, pois se identifica com toda a colônia, conforme os versos "Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra / Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra". O tambor e sua música representam a voz do povo moçambicano.