sábado, 12 de junho de 2021

Atividade sobre prosa a partir do romance "Lucíola", de José de Alencar


"Lucíola" narra a história de amor entre Lúcia, uma cortesã (prostituta de luxo que frequentava a corte), e Paulo, um rapaz recém-chegado ao Rio de Janeiro. No romance, os conflitos vivenciados pela protagonista se relacionam às circunstâncias que a tinham levado ao meretrício: o sacrifício da virgindade para livrar a família da morte e, a seguir, a expulsão de casa pelo pai, que a condena pela atitude tomada. Assim, Maria da Glória, o verdadeiro nome da protagonista, sem ter meios para sobreviver, entrega-se à vida de cortesã e passa a viver à margem da sociedade. A redenção da protagonista se dá por meio do amor que vive com Paulo, que resgata na cortesã Lúcia a pureza da menina Maria da Glória.

Leia, a seguir, um trecho do 15º capítulo de Lucíola:

XV

Decorreram vinte dias.

Chegando uma tarde vi Lúcia assustar-se e esconder sob as amplas dobras do vestido um objeto que me pareceu um livro.
- Estavas lendo?

Ela perturbou-se.

- Não, estava esperando-o.

- Quero ver que livro era.

Meio à força e meio rindo consegui tomar o livro depois de uma fraca resistência. Ela ficou enfadada.

Era um livro muito conhecido - A Dama das Camélias. Ergui os olhos para Lúcia interrogando a expressão de seu rosto. Muitas vezes lê-se não por hábito e distração, mas pela influência de uma simpatia moral que nos faz procurar um confidente de nossos sentimentos, até nas páginas mudas de um escritor. Lúcia teria, como Margarida, a aspiração vaga para o amor? Sonharia com as afeições puras do coração?

Ela tornou-se de lacre sentindo o peso de meu olhar.

- Esse livro é uma mentira!

- Uma poética exageração, mas uma mentira, não! Julgas impossível que uma mulher como Margarida ame?

- Talvez; porém nunca desta maneira! disse indicando o livro.

- De que maneira?

- Dando-lhe o mesmo corpo que tantos outros tiveram. Que diferença haveria então entre o amor e o vício? Essa moça não sentia, quando se lançava nos braços de seu amante, que eram os sobejos da corrupção que lhe oferecia? Não temia que seus lábios naquele momento latejassem ainda com os beijos vendidos?

- O amor purifica e dá sempre um novo encanto ao prazer. Há mulheres que amam toda a vida; e o seu coração, em vez de gastar-se e envelhecer, remoça como a natureza quando volta a primavera.

- Se elas uma só vez tivessem a desgraça de se desprezar a si próprias no momento em que um homem as possuía; se tivessem sentido estancarem-se as fontes da vida com o prazer que lhes arrancavam à força da carne convulsa, nunca mais amariam assim! O amor é inexaurível e remoça, como a primavera; mas não ressuscita o que já morreu.

- Pelo que vejo, Lúcia, nunca amarás em tua vida!

- Eu?... Que ideia! Para que amar? O que há de real e de melhor na vida é o prazer, e esse dispensa o coração. O prazer que se dá e recebe é calmo e doce, sem inquietação e sem receios. [...] O amor!... O amor para uma mulher como eu seria a mais terrível punição que Deus poderia infligir-lhe! Mas o verdadeiro amor d'alma; e não a paixão sensual de Margarida, que nem sequer teve o mérito da fidelidade. Se alguma vez essa mulher se prostituiu mais do que nunca, e se mostrou cortesã depravada, sem brio e sem pudor, foi quando se animou profanar o amor com as torpes carícias que tantos haviam comprado.

Lúcia falou com uma volubilidade nervosa. Às vezes o rosto se tornava sombrio e torvo para esclarecer-se de repente com um raio de indignação, que cintilava na pupila; outras, a sua palavra sentida e apaixonada estacava no meio da vibração, afogando num sorriso de desprezo.
- E houve um homem que aceitasse semelhante amor?

- Ele também a amava; e certamente não pensava como tu.

- Mas é impossível amar uma mulher que se compra, e se tem apenas a desejam! A menos que não se ame por especulação e cálculo para obter-se de graça o que não se pode pagar.

- Seria uma infâmia! Não dês a isto o santo nome do amor.

- E podemos nós ser amadas de outro modo? Como? Arrependendo-nos, e rompendo com o passado? Talvez o primeiro que zombasse da mísera fosse aquele por quem ela desejasse se regenerar. Pensaria que o enganava, para obter por esse meio os benefícios de uma generosidade maior. Quem sabe?... suspeitaria até que ela sonhava com uma união aviltante para a sua honra e para a reputação de sua família. Antes mil vezes esta vida, nua de afeições, em que se paga o desprezo com a indiferença! Antes ter seco e morto o coração do que senti-lo viver para semelhante tortura.

- Está bem: deixemos em paz A Dama das Camélias. Nem tu és Margarida, nem eu sou Armando.

- Oh! juro-lhe que não! Esse juramento teve uma solenidade que me pareceu caricata. Ou porque o percebesse, ou por uma das inexplicáveis transições que lhe eram frequentes, Lúcia soltou uma gargalhada.
[...]

1. Ao ser surpreendida pela chegada de Paulo, Lúcia tenta esconder o livro que tinha em mãos. Considerando o contexto e o boxe 'A dama das camélias", responda: O que tal atitude da personagem revela a respeito dos sentimentos e das intenções dela?

2. Ao longo do diálogo com Paulo, Lúcia faz críticas ao livro e, em especial, à personagem Margarida.
a. O que Lúcia condena em Margarida?

b. O que tal condenação revela quanto à visão que a protagonista tinha do amor? Essa visão corresponde ao ideal de amor do Romantismo? Explique.

3. Paulo e Lúcia discutem sobre o amor. Ele tem a opinião de que o "amor purifica" e rejuvenesce o coração.
a. De acordo com Lúcia, isso seria impossível para ela. Por quê? Justifique sua resposta com elementos do texto.

b. Lúcia afirma que o amor seria "a mais terrível punição que Deus poderia infligirlhe". Por quê?

c. A visão que Lúcia tem de sua condição reforça os valores da sociedade em que ela vive? Justifique sua resposta.

4. Lúcia é uma personagem marcada pelo conflito psicológico.
a. De acordo com as reflexões realizadas anteriormente, que conflito é vivenciado pela protagonista no texto em estudo?

b. O conflito interior vivenciado pela personagem manifesta-se, às vezes, em mudanças bruscas de comportamento. Identifique no texto um trecho que comprove essa afirmação.

c. Considerando o texto em estudo e o boxe "A evolução e a classificação das personagens", conclua: Lúcia é uma personagem plana ou redonda? Justifique sua resposta.

5. Como informa José de Alencar no prólogo do livro, lucíola é um vaga-lume que brilha intensamente na escuridão à beira dos pântanos. De acordo com essa sugestão de sentido oferecida para o título do livro e as reflexões realizadas ao longo deste estudo, levante hipóteses: Como essa imagem do inseto lucíola pode ser associada a Lúcia, a heroína da obra?


Fonte: Português Contemporâneo: Diálogo, Reflexão e Uso

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