segunda-feira, 31 de maio de 2021

Atividade sobre literatura contemporânea a partir de dois poemas de Ferreira Gullar



Você vai ler, a seguir, dois poemas de Ferreira Gullar. O primeiro foi produzido em 1963 e integra a obra Dentro da noite veloz; o segundo faz parte da obra Muitas vozes, publicada em 1999.

Texto 1 - Não há vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira

Texto 2 - Não coisa

O que o poeta quer dizer
no discurso não cabe
e se o diz é pra saber
o que ainda não sabe.

Uma fruta uma flor
um odor que relume...
Como dizer o sabor,
seu clarão seu perfume?

Como enfim traduzir
na lógica do ouvido
o que na coisa é coisa
e que não tem sentido?

A linguagem dispõe
de conceitos, de nomes
mas o gosto da fruta
só o sabes se a comes

só o sabes no corpo
o sabor que assimilas
e que na boca é festa
de saliva e papilas

invadindo-te inteiro
tal dum mar o marulho
e que a fala submerge
e reduz a um barulho,

um tumulto de vozes
de gozos, de espasmos,
vertiginoso e pleno
como são os orgasmos

No entanto, o poeta
desafia o impossível
e tenta no poema
dizer o indizível:

subverte a sintaxe
implode a fala, ousa
incutir na linguagem
densidade de coisa
sem permitir, porém,
que perca a transparência
já que a coisa é fechada
à humana consciência.

O que o poeta faz
mais do que mencioná-la
é torná-la aparência
pura - e iluminá-la.

Toda coisa tem peso:
uma noite em seu centro.
O poema é uma coisa
que não tem nada dentro,

a não ser o ressoar
de uma imprecisa voz
que não quer se apagar
- essa voz somos nós.

1. O poema "Não há vagas" é organizado em duas partes.
a. Identifique os versos que pertencem a cada uma das partes.

b. De que trata cada uma dessas partes?

2. Compare algumas das coisas que cabem e que não cabem no poema, de acordo com o poema "Não há vagas":
CABEM                                  NÃO CABEM
arroz                                     homem sem estômago
feijão                                       mulher de nuvens
luz                                            fruta sem preço
telefone                                      
operário

a. De que tipo são as coisas que não cabem no poema?

b. De que tipo são as coisas que cabem no poema?

c. A oposição entre o que cabe e o que não cabe no poema revela duas concepções diferentes sobre o fazer poético. Quais são elas?

d. O eu lírico se mostra favorável a uma delas? Se sim, qual? Justifique sua resposta.

3. O poema "Não coisa" também aborda o tema do fazer poético. Releia estes versos:

A linguagem dispõe
de conceitos, de nomes
mas o gosto da fruta
só o sabes se a comes

a. Como o eu lírico vê a relação entre linguagem e objeto? Explique, utilizando elementos do poema.

b. Justifique o título do poema.

c. Diante do desafio, o poeta desiste? Justifique sua resposta com elementos do poema.

d. O que o poeta consegue fazer em relação ao objeto? Explique em que consiste sua ação.

4. Releia os últimos versos do poema "Não objeto":

O poema é uma coisa
que não tem nada dentro,
a não ser o ressoar
de uma imprecisa voz
que não quer se apagar
- essa voz somos nós.

a. O que há no poema?

b. Interprete o último verso do poema: "- essa voz somos nós".

5. O poema "Não coisa" foi escrito quase 40 anos depois do poema "Não há vagas", e ambos abordam o tema da criação poética.
a. Que diferença há na abordagem dos dois textos em relação a esse tema?

b. Que ideia sobre a criação poética está presente nos dois poemas?


Fonte: Português Contemporâneo: Diálogo, Reflexão e Uso

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