sexta-feira, 22 de abril de 2022

Atividade sobre literatura portuguesa a partir de versos de "Os Lusíadas", de Camões



Você vai ler um texto de Camões, o principal poeta do Classicismo português e um dos grandes escritores da literatura universal. Trata-se de um trecho do canto V de Os lus'adas, poema épico que celebra as glórias portuguesas conquistadas com as grandes navegações oceânicas.

No canto V, o capitão-mor Vasco da Gama narra o momento em que, depois de atravessar por "mares nunca de antes navegados", surge diante dele e de sua esquadra alguma coisa maior que tormenta, com terríveis feições humanas e um tom de voz "horrendo e grosso", que "pareceu sair do mar profundo". Tal figura, disforme e de "grandíssima estatura", lhes "pôs nos corações um grande medo", levando-os a arrepiarem "as carnes e o cabelo". Por se atreverem a navegar em "longos mares", aqueles navegadores ouviram da gigantesca e medonha criatura a profecia de que iriam sofrer "naufrágios, perdições de toda sorte".

Leia o trecho que vem na sequência desse episódio.

[...]
Mais ia por diante o monstro horrendo,
Dizendo nossos Fados, quando, alçado,
Lhe disse eu: "Quem és tu? Que esse estupendo
Corpo, certo, me tem maravilhado!"
A boca e os olhos negros retorcendo
E, dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:

"Eu sou aquele oculto e grande Cabo
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio, e quantos passaram, fui notório.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório,
Que pera o Polo Antárctico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende!

Fui dos filhos aspérrimos da Terra,
Qual Encélado, Egeu e o Centimano;
Chamei-me Adamastor, e fui na guerra
Contra o que vibra os raios de Vulcano;
Não que pusesse serra sobre serra,
Mas, conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Neptuno, que eu buscava.

Amores da alta esposa de Peleu
Me fizeram tomar tamanha empresa.
Todas as Deusas desprezei do Céu,
Só por amar das Águas a Princesa.
Um dia a vi, co as filhas de Nereu,
Sair nua na praia: e logo presa
A vontade senti de tal maneira,
Que inda não sinto cousa que mais queira.

Como fosse impossíbil alcançá-la,
Pola grandeza feia de meu gesto,
Determinei por armas de tomá-la
E a Dóris este caso manifesto.
De medo a Deusa então por mi lhe fala;
Mas ela, cum fermoso riso honesto,
Respondeu: "Qual será o amor bastante
De Ninfa, que sustente o dum Gigante?

"Contudo, por livrarmos o Oceano
De tanta guerra, eu buscarei maneira
Com que, com minha honra, escuse o dano."
Tal resposta me torna a mensageira.
Eu, que cair não pude neste engano
(Que é grande dos amantes a cegueira),
Encheram-me, com grandes abondanças,
O peito de desejos e esperanças.

Já néscio, já da guerra desistindo,
Hũa noite, de Dóris prometida,
Me aparece de longe o gesto lindo
Da branca Thetis, única, despida.
Como doudo corri, de longe, abrindo
Os braços pera aquela que era vida
Deste corpo, e começo os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.

Oh! Que não sei de nojo como o conte!
Que, crendo ter nos braços quem amava,
Abraçado me achei cum duro monte
De áspero mato e de espessura brava.
Estando cum penedo fronte a fronte,
Que eu polo rosto angélico apertava,
Não fiquei homem, não, mas mudo e quedo
E, junto dum penedo, outro penedo!
[...]
Converte-se-me a carne em terra dura;
Em penedos os ossos se fizeram;
Estes membros, que vês, e esta figura
Por estas longas águas se estenderam.
Enfim, minha grandíssima estatura
Neste remoto Cabo converteram
Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas,
Me anda Thetis cercando destas águas."

Assi contava; e, cum medonho choro,
Súbito de ante os olhos se apartou.
Desfez-se a nuvem negra, e cum sonoro
Bramido muito longe o mar soou.
Eu, levantando as mãos ao santo coro
Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi que removesse os duros
Casos, que Adamastor contou futuros.
(São Paulo: Saraiva, 2010. p. 140-3.)

# Questões:
1. Na composição de "Os lusíadas", elementos históricos misturam-se a elementos míticos, maravilhosos. Com base no trecho do poema épico lido e no boxe "Entre o Atlântico e o Índico", responda:
a. No poema, Adamastor é o mítico gigante com que Vasco da Gama e sua esquadra se deparam no percurso da viagem às Índias. Em termos geográficos, o que é esse gigante? Onde ele se situa?

b. Historicamente, que nomes ele recebeu?

c. Ele se manteve, por muito tempo, desconhecido pelos europeus, mesmo pelos mais célebres geógrafos e naturalistas greco-latinos. Identifique no texto uma passagem que confirme tal afirmação.

2. No texto de Camões, Adamastor é associado aos mitos greco-latinos.
a. Quais são as origens de Adamastor? Comprove sua resposta com versos do texto.

b. Contra quais deuses ele guerreou? Comprove sua resposta com versos do texto.

3. Adamastor, que foi capitão do mar e guerreou contra poderosos deuses, não expõe somente sua força e sua fúria; ele revela também sua fragilidade: seu amor por Thetis.
a. Diante da impossibilidade de conquistar a ninfa, o que Adamastor resolveu fazer?

b. Para conter o gigante, Thetis e sua mãe, Dóris, utilizaram uma estratégia. Qual? Extraia do texto um trecho que confirme sua resposta.

c. Certa noite, de longe, Thetis se mostrou a Adamastor. O que aconteceu nesse encontro?

4. Releia estes versos:

"Neste remoto Cabo converteram
Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas,
Me anda Thetis cercando destas águas."

Adamastor sofre as penas pelo seu atrevimento: convertido em cabo, ele tem suas mágoas duplicadas ("dobradas mágoas"). Levante hipóteses: Por que, de acordo com tais versos, seu suplício é dobrado?

5. Na última estrofe do texto em estudo, Vasco da Gama retoma a narração e conta como a presença do gigante Adamastor teve fim. A atitude final de Adamastor consistiu em oferecer resistência à passagem da esquadra de Vasco da Gama? Justifique sua resposta.

6. Camões era cristão e viveu na época da Inquisição, tribunal que reprimia tudo o que considerasse uma ameaça à fé católica. Apesar disso, retomou, como escritor renascentista, a cultura clássica greco-latina e a conciliou com a tradição cristã. Tendo em vista tais informações, responda: Como o cristianismo se manifesta no texto em estudo?

7. O mítico gigante Adamastor, transformado em promontório na epopeia de Camões, representa os perigos dos mares e o medo dos navegadores em meio a águas desconhecidas.
a. Nesse contexto, o que representa o feito de ter ultrapassado os limites conhecidos realizado pelo herói Vasco da Gama?

b. Tendo em vista que, na concepção teocêntrica, Deus é o centro do universo e, na concepção humanista ou antropocêntrica, o ser humano é a medida de todas as coisas, conclua: Esse episódio revela que Camões tem uma concepção de mundo teocêntrica ou antropocêntrica? Justifique sua resposta.

Fonte: Português: Linguagens, William Cereja et al.

Nenhum comentário:

Postar um comentário