Uma mulher pobre
Aquela mulher foi de uma espontaneidade impressionante, pela marcação ritmada de seus passos e pelo gingado que brotava de seu corpo esquálido.
Vi-me no centro da cidade grande; o povaréu pra lá e cá. Pois é. Ouvi, lá adiante, uma música na linha de meu percurso.
Um rapaz começou a tocar violão acompanhado por gravações em fita, cantava e o grande círculo foi se formando que a música era boa.
Chegaram os guardas municipais; gente arrogante; interromperam a apresentação sem a menor consideração com o povo ali em volta; o moço parou a música ao meio, sacou da papelada; foram-se. O show recomeçou.
Súbito, apareceu uma mulher mendiga; magra, vestida de preto, cabelo desgrenhado, sandálias havaianas e um ritmo frenético com que dançava, exprimindo-se em volteios como um vulto esvoaçando em esguios traços de uma serenidade encantada.
E me demorei em contemplar a cena: o povo ria, não de deboche, mas de uma certa alegria contida. Parecia que todos eram parte daqueles ossos flutuantes; o povo via naquela mulher a liberação de suas ansiedades e ria por se sentir incluído: alguém estava fazendo o que todos gostariam de fazer, naquele lugar, àquela hora. Era a catarse. Aquela mulher fazia com todos uma catarse a céu aberto.
Sabe aqueles pulos que os jovens dão em shows de rock? Aquela mulher fazia tudo com uma precisão matemática e uma plasticidade elegante que lhe permitia o corpo esguio.
Pude notar ali um par de opostos: de um lado, um farrapo humano chamejante; do outro o talento se exprimindo em meio a escombros, porém com vivos sinais de elegância e encantamento.
E saí dali convicto de ter ouvido um brilhante discurso de como de dentro da pobreza extrema a alma dá o ritmo para os pequenos e grandes acontecimentos.
Aquela mulher ficaria em minhas retinas como presença do sagrado nas ruas da cidade grande.
UMA MULHER pobre. Disponível em: <www.oswaldocruz.br/conteudo_ler.asp?id_conteudo=14703-29k>. Acesso em: 2 jan.
1. Em se tratando dos guardas, pode-se observar a
A) constatação de que houve corrupção na cobrança da lei.
B) representação de formalidade excessiva no exercício do poder.
C) forma cabal de se manifestar em relação aos direitos da população.
D) displicência na exigência da manutenção da ordem pública.
E) atitude evasiva em relação à abordagem feita ao artista.
2. No trecho “Vi-me no centro da cidade grande; o povaréu pra lá e cá. Pois é. Ouvi, lá adiante, uma música na linha de meu percurso.”, o termo "Pois é" denota
A) dedução.
B) oposição.
C) reforço.
D) afirmação.
E) improvisação.
3. A certeza de que as pessoas não zombavam da mulher foi em decorrência de
A) um sonho.
B) uma dedução ilógica.
C) uma alegria contida.
D) um desejo imutável.
E) puro sentimentalismo burguês.
4. No trecho “Era a catarse. Aquela mulher fazia com todos uma catarse a céu aberto.", o termo em destaque significa
A) castigo.
B) carência.
C) dignidade.
D) purificação.
E) disposição.
5. No texto, o termo
A) “se” (linha 8) indica condição.
B) “mas” (linha 13) denota acréscimo.
C) “que” (linha 17) tem valor conjuntivo.
D) “e” (linha 18) expressa adição.
E) “como” (linha 23) indica causa.
6. Sobre as sintaxes de concordância e de regência usadas no texto, é correto afirmar:
A) Os conectivos ”que” (linha 2) e “que” (linha 6) têm o mesmo valor morfológico.
B) A forma verbal “Ouvi” (linha 3) está no singular para concordar com “uma música” (linha 3).
C) As formas verbais “Chegaram” (linha 7) e “recomeçou” (linha 9) apresentam a mesma regência.
D) “naquela mulher” (linha 14) e “de suas ansiedades” (linhas 14 e 15) exercem a mesma função sintática.
E) “incluído”(linha 15) completa o sentido de “se sentir” (linha 15).
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