De gramática e de linguagem
E havia uma gramática que dizia assim:
“Substantivo (concreto) é tudo quanto indica
Pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta”.
Eu gosto é das cousas. As cousas, sim!...
As pessoas atrapalham. Estão em toda parte.
Multiplicam-se em excesso.
As cousas são quietas. Bastam-se. Não se metem com ninguém.
Uma pedra. Um armário. Um ovo. (Ovo, nem sempre,
Ovo pode estar choco: é inquietante...)
As cousas vivem metidas com as suas cousas.
E não exigem nada.
Apenas que não as tirem do lugar onde estão.
E João pode neste mesmo instante vir bater à nossa porta.
Para quê? não importa: João vem!
E há-de estar triste ou alegre, reticente ou falastrão,
Amigo ou adverso... João só será definitivo
Quando esticar a canela. Morre, João...
Mas o bom, mesmo, são os adjetivos,
Os puros adjetivos isentos de qualquer objeto.
Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. Luminoso.
Sonoro. Lento. Eu sonho
Com uma linguagem composta unicamente de adjetivos
Como decerto é a linguagem das plantas e dos animais.
Ainda mais:
Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto...
QUINTANA, Mario. Apontamentos de História Sobrenatural.
# Questões:
1. Considerando o título do poema, comente a que se refere o par de versos a seguir.
‘Substantivo (concreto) é tudo quanto indica
Pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta.’
2. No início do poema, quando define substantivo concreto, o eu lírico expressa uma preferência. Qual é e por quê?
3. Que hipótese é levantada pelo eu lírico a respeito da linguagem das plantas e dos animais? Qual é a classe de palavras que compõe o sonho do eu lírico?
4. Por que, para o eu lírico, essa classe de palavras é privilegiada?
5. Para o eu lírico, qual é o sentido privilegiado no poema de seus sonhos? Como a linguagem nele se manifesta? Converse com os colegas e o professor.
6. Um texto pode cumprir mais de uma função, ainda que uma delas prevaleça. Quais são as funções de linguagem presentes nesse poema? Explique.
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